" ENTREVISTA – MARINHO CHAGAS
“No Fortaleza, não fiz o que a torcida esperava de mim”
Chamado de lourão quando jogava, MARINHO se recorda com carinho dos ex-companheiros Pedro
Considerado pela Fifa um dos maiores laterais-esquerdos do mundo, hoje, MARINHO CHAGAS luta contra uma doença. O ex-atleta, por telefone, de Natal/RN, relata sua briga com Leão, se gaba de seus 58 anos "bem vividos" e justifica seu fraco desempenho no Tricolor de Aço dos anos 1980.
Em quem você se inspirava para atuar ofensivamente? Era no Nilton Santos?
O Nilton Santos realmente me deu inspiração. Mas eu subia ao ataque porque antes era centroavante, jogava nessa posição em peladas aqui em Natal. Como tinha muitos candidatos para essa posição, e eu queria era jogar, passei a jogar de lateral-esquerdo. Eu vinha de trás com a bola dominada, pois já tinha noção de ataque, de drible. Puxava para o meio e batia no gol. Dei muita sorte. Tive um treinador no início da carreira, o Seu Barbosa, que chegou a jogar no Flamengo. Ele me ensinou a bater com as duas pernas. Então, tinha muita facilidade de driblar com a direita, com esquerda, e de ir para a linha de fundo.
Levou muita bronca dos treinadores por conta disso?
Realmente, naquela época, os laterais não avançavam. Mas o próprio Nilton Santos, que costumava subir muito ao ataque na época dele, me disse que naquele momento eu estava acima do normal e isso me incentivou muito. E ele me orientava muito no Botafogo, nas partidas, nos treinos. Ensinava como marcar o ponta-direita: se fosse veloz, era para dar espaço, se fosse habilidoso, era para ficar junto dele. Os mais veteranos me ensinavam que era melhor defender primeiro para depois subir. E os treinadores, sabendo disso, começaram a procurar um cabeça-de-área que marcasse bem, para fazer a minha cobertura. E naquela época só existia um cabeça-de-área.
A discussão que você teve com o Leão na Copa de 1974 foi feia como dizem?
Não foi assim tão feia. Houve aquele empurra-empurra. No gol da Polônia (Marinho se refere ao gol que o atacante Lato fez contra o Brasil, na decisão do terceiro lugar), eu perdi a bola na grande área polonesa e o Lato estava sozinho no meio-de-campo e o Alfredo (zagueiro) em cima dele, no homem a homem. Quando o Lato deu um tapa na bola, saiu uns cinco metros na frente dele. Eu, mesmo vindo de longe, quase chego nele. A bola foi no bico da grande área, Se o Leão tivesse ficado no gol, o Zé Maria (lateral-direito) ou o Marinho Peres, que vinham na cobertura, teria alcançado. Mas foi uma discussão no vestiário. E havia a rivalidade entre (atletas de) São Paulo e Rio (Leão jogava no futebol paulista). Jorginho e Paulo César Caju vieram me ajudar e nem os paulistas ficaram a favor do Leão. Ele era difícil. Pelo menos na Seleção, não saía com os jogadores. No ônibus, ia sempre na frente, com a diretoria ou com o Zagalo (técnico), em vez de ficar atrás com a galera, cantando e se divertindo. E hoje também a gente vê os problemas que ele tem por aí. Mas é o temperamento dele. Tem que respeitar.
Você chegou a trabalhar ou encontrar com ele depois?
Uma vez fui ver um jogo do time dele contra o do Zico, no Japão. Fui visitar o Zico, no vestiário, e resolvi passar antes no do Leão. Fui lá, desejei boa sorte a ele, que ficou muito surpreso com a minha presença.
E a Alemanha, para onde você foi no fim da carreira, o que motivou a ida para lá?
Nessa época, eu estava jogando e era treinador, em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1986. Meus filhos estavam todos estudando por lá. Daí tive um convite para participar de alguns jogos na Alemanha. Nisso, surgiu um time lá, chamado Harlekin, da cidade de Augsburg, onde fiz um curso de treinador, que me convidou para ser jogador e treinador, e lá fiquei por dois anos.
Você passou pelo Fortaleza nos anos 1980. O que mais o marcou nessa passagem?
Quando vim do Rio para Fortaleza, estava há muito tempo parado. Vinha de uma contusão na bacia, que sofri no Bangu. Fiz um longo tratamento e fiquei bom. Mas não estava cem por cento fisicamente, embora gostasse de me cuidar. Um empresário, um amigo meu, me convidou para jogar no Fortaleza. Eu já estava com vontade de voltar para Natal, estava cansado do Rio e de São Paulo. Viajava muito e meus filhos estavam crescendo, precisava cuidar deles. Morei na Praia do Futuro, na época em que tinha só um prédio por ali. Tive bons momentos no Fortaleza. O presidente da época foi muito honesto comigo e a própria torcida do clube foi muito legal. Mas eu é que realmente não fiz o que se esperava de mim. Pois já estava com a idade um pouco avançada. Mesmo assim, fiz um bom Campeonato Cearense e só perdemos na semifinal.
O então goleiro do Tricolor, o Salvino, era maluco mesmo como dizem que era?
O pessoal chamava ele de "Bicho-Papão". Ele era "brabo" pra danar. Lembro também do (falecido) Pedro Basílio, que hoje está no céu... Tinha o Pai d´Égua (Artur) também. Os dois moraram no meu apartamento quando jogaram no Botafogo. Mas o Salvino era maluco no bom sentido, tipo o Raúl Seixas. Era um grande amigo meu, gostava muito de mim. Mas era doido por uma briga. Quando o Fortaleza perdia, ele saía de campo procurando briga, dizendo: "quem quer brigar aí?". Eu dizia: "homem, deixa isso pra lá" e ele respondia: "fique calado você também" (risos). Hoje, com a idade, deve ser uma outra pessoa. Soube que ele ainda é preparador de goleiros aí no Fortaleza. Sempre foi uma pessoa de confiança. Quero muito bem a galera da minha geração.
É verdade que o Artur voltava de avião após os jogos do Botafogo para Fortaleza e caía na noite, nas farras?
O que ele fazia não me lembro. Não gosto de falar pelos amigos. Me lembro do que eu fazia. Eu alugava avião particular para jogar nos cassinos de Montevidéu (Uruguai) com alguns amigos. Realmente fiz muita besteira na vida, perdi muito dinheiro. Mas perdi curtindo. Tirei muita onda no Rio, em Nova York, Los Angeles, Miami... Conheci muitas atrizes famosas, transei com algumas. Então, acho que sou um homem realizado. Estou com 58 anos, mas vivi por duzentos. Já estou é devendo a Jesus. Mas ele falou que não me quer agora, me quer quando eu tiver 100 anos.
Há algo de que se arrependa por ter feito na carreira?
Faria tudo outra vez. Só que faria com mais inteligência. Escolheria bem minhas amizades. Os que estão jogando hoje têm que pensar no futuro. Por enquanto, estão com a bola cheia, cheios de dinheiro, com apartamento caro... Mas daqui a vinte, trinta anos o mundo muda. Também não é preciso guardar dinheiro em um colchão, não. Tem que viver a vida um pouco também. Esses jovens são mandados pelos empresários e não vivem nada. Andam com segurança até para ir a um cinema com a mulher. Eu não. Graças a Deus, curti a vida e nunca andei com segurança.
Atualmente, observamos jogadores como Adriano e Ronaldo constantemente pegos curtindo a noite. Como sua geração costumava lidar com os momentos de folga?
A gente tinha liberdade, mas não tinha maldade. No Fortaleza mesmo, toda segunda-feira, a gente (atletas) se encontrava no estabelecimento de uma senhora, perto do campo do time, para tomar umas cervejinhas, comer um cozido, uma galinha, uma rabada... Nos encontrávamos na beira da praia, às vezes, até com jogadores do Ceará também. E hoje, não. É uma rivalidade, um medo, cada um do seu lado. O torcedor, a imprensa, passava, via e não cobrava muito, não. Porque, quando chegava no campo, a gente correspondia.
Como está sua saúde hoje?
Todo ano faço meu check-up e fico internado de 10 a 15 dias. Quando fazia isso no Rio ou em São Paulo, tudo bem. Mas aqui em Natal, o pessoal já ficou preocupado, a imprensa veio para cima de mim. Fiquei três meses internado porque só queria sair quando estivesse cem por cento. A Globo me procurou, pensando que era grave. Mas muitos jogadores daquele época têm uma doença, a hepatite tipo C, culpa daquela antiga medicina. Mas, graças a Deus, não tenho problema no fígado, nada disso. Penso muito em Deus, sou espírita, tenho fé. As pessoas não devem se entregar. Jogadores de futebol não devem baixar a cabeça e se entregar à bebida, não. A bebida está ali, na prateleira do bar, mas não está chamando você, nem é de graça. Ela não tem culpa. Graças a Deus, me recuperei. E a entrevista que dei para a Globo (entrevista concedida ao Esporte Espetacular), foi de muita ajuda porque muitos atletas que viram a matéria, também vão querer fazer o tratamento. Hoje, em Natal, tem muita gente se tratando porque me viu na entrevista.
Naquela época vocês tinham alguma noção do perigo do uso compartilhado de seringas para aplicação de estimulantes nos atletas?
Antigamente os médicos usavam aquelas agulhas de ferro. Depois, tiravam e aplicavam em outra pessoa. No Botafogo, era obrigatório, após o treino, tomar um tipo de complexo. Não tínhamos e ainda não temos noção do perigo. Porque as pessoas não sabem o que é hepatite tipo C. Mas eu sei. E faço até um apelo para que todos passem a se tratar.
Como você vê a atual fase do futebol carioca, especialmente de Fluminense e Botafogo? Onde você acha que está o maior erro de quem comanda o futebol por lá?
Já faz tempo que está assim. Amo o Rio de janeiro. Sou botafoguense e sou tricolor também, dois times em que joguei. Acho que os dois não estão dando muito valor à base. Assim como o Vasco não está. O Eurico Miranda perdeu a eleição (para a presidência do clube) para o Roberto Dinamite e levou os contratos de alguns pratas da casa com ele. Assim fica difícil.
PERY NEGREIROS
REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste
domingo, 25 de outubro de 2009
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