* PELÉ e GARRINCHA na comemoração de um GOL na decisão da Copa do Mundo de 1958 na Suécia.
Era um domingo de muito sol aquele 29 de junho de 1958. E um domingo especial: o Brasil iria decidir a Copa do Mundo contra a Suécia.
Fui à missa cedo, como fazia todos os domingos, e às nove horas da manhã já estava com minha caixa de engraxate na calçada do bar frente à minha casa. Se fosse um domingo normal, eu trabalharia até as 11 e meia, almoçaria e iria para o cine São Geraldo, em pleno bairro da Lagoinha, bairro mal-afamado em Belo Horizonte. Ali assistiria a dois filmes que, tinha certeza, seriam faroestes.
O ar era de ansiedade. Às 11 horas guardei a minha caixa e corri para o armazém do turco Maron Rachid, que colocara um rádio em alto volume e que já falava da Suécia. O som era ruim, ia e vinha em ondas que aumentavam o compasso das batidas do coração.
Ouvi alguém dizer que no bar do seu Joaquim, a três quarteirões dali, o som estava melhor. Não tive dúvidas: corri para lá. Bobagem: o drama era o mesmo.
As pessoas se aglomeravam em torno do aparelho de marca Invictus, ouvidos atentos e olhos na luz verde estampada no mostrador: era o olho mágico – quanto mais intensa ficasse a luz, melhor o som.
Além da ansiedade, havia certo medo. Será que vamos repetir 1950? Eu perguntava detalhes da tragédia que não assisti: a perda da Copa do Mundo de 50, em pleno Maracanã, para o Uruguai.
Provavelmente, eu era o único menino no meio daqueles adultos, mas o futebol já era minha paixão.
O narrador, com voz grave, anuncia uma modificação de última hora na escalação: Djalma Santos entra no lugar de De Sordi, que fora o titular em todos os outros jogos.
Mau sinal, vaticina um pessimista. Que nada!, rebate outro jurando que Djalma Santos era melhor.
Começa o jogo e logo aos quatro minutos um tal de Liedholm faz 1 a 0 para a Suécia. O grito de gol do narrador é frio, curto e desanimado. Aqui não vai dar, pensei comigo. E saí correndo para o armazém do Maron. Mal cheguei, Vavá empatava o jogo. “É aqui que tenho de ficar”, disse para mim mesmo.
Ali fiquei até o minuto final, depois que Pelé, aos 45 minutos, marcou o quinto gol da vitória por 5 a 2. Passei as duas horas seguintes correndo de um rádio para o outro, ouvindo o que os adultos comentavam.
Aquele domingo não marcou apenas a alegria de um garoto ou a recuperação de um futebol derrotado em casa anos antes. Na verdade, foi um divisor de tempo. Até ali, era comum no mundo dito civilizado – entenda-se Europa e América – afirmar-se que a capital do Brasil era Buenos Aires. Ou que as pessoas poderiam ser atacadas por perigosas cobras nas ruas das cidades.
Dali para frente, um novo olhar se debruçou sobre o Brasil. O mundo foi procurar no mapa onde ficava esse tal de Brasil, cuja capital era – agora sim – o Rio de Janeiro. E também como nesse país tão distante e obscuro apareceu, de repente, um rei, que então ninguém sabia, mas iria reinar para sempre: o Rei Pelé.
Mario Marinho é comentarista da rádio Eldorado SP e diretor da revista O Mundo do Futebol.
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