Antológica é a palavra certa para definir aquela partida"
Conti, sobre a vitória da Itália em cima do Brasil na Copa de 1982
A Copa de 1982 traz péssimas lembranças aos brasileiros, principalmente os gols de Paolo Rossi, algoz na derrota do Brasil por 3 a 2 para a Itália, no dia 5 de julho daquele ano. Mas para os torcedores da Azzurra, o carrasco não é o único ídolo daquela conquista na Espanha. O baixinho e ex-ponta Bruno Conti, que tinha na velocidade e nos dribles rápidos suas principais características, também não sai do coração dos fanáticos italianos. E o triunfo sobre a Seleção de Zico, Falcão & cia., comandada pelo técnico Telê Santana, foi um dos principais temas lembrados pelo ex-jogador.
Por email, o atual responsável pelas categorias de base do Roma relembrou a conquista e a atitude da seleção brasileira em campo na tentativa de vencer aquela partida disputada no estádio Sarrià, em Barcelona.
- Antológica é a palavra certa para definir aquela partida. Foi disputada, difícil, qualquer um podia ganhar. Mas a nossa fome de vitória fez a diferença. Sabíamos que derrotar o Brasil significaria conquistar o título. Aquele jogo foi verdadeiramente a final da Copa. Sempre acreditamos na vitória e sabíamos que o Brasil era o time mais forte. Mas eles nos ajudaram. Tinham dois resultados de três. Bastava o empate. Jogaram para ganhar e acabaram perdendo - afirmou o ex-jogador, hoje com 57 anos.
Naquele confronto, aos 23 minutos do segundo tempo, Falcão marcou o gol de empate, deixando o placar em 2 a 2. Para muitos, o lance era a reabilitação da seleção brasileira na partida e uma provável classificação para a semifinal do torneio. Mas não foi bem isso que aconteceu no desenrolar da partida. E Conti relembra o sentimento da equipe italiana.
Vivemos um sonho com o nosso povo ao aterrissar na Itália"
Bruno Conti
- Depois do gol do Falcão, o jogo endureceu, mas a nossa fome de vitória fez a diferença. Ficamos concentrados durante o restante da partida, acreditando no resultado. Foi o que aconteceu no fim - disse o ex-jogador, lembrando o gol marcado por Paolo Rossi, aos 30 minutos da etapa final.
O triunfo sobre o Brasil foi um dos mais marcantes dentro de campo. Mas fora dele, Conti contou que a recepção após o título e a descrença da imprensa em relação à conquista também não serão esquecidas com o passar dos anos.
- O momento mais marcante foi o encontro com o presidente da República Italiana, Sandro Pertini. Ele foi uma pessoa humilde e maravilhosa com todo o grupo da seleção. Jogava cartas com a gente, e na volta de Madri para Roma quis que o grupo viajasse no seu avião pessoal. Foi um momento inesquecível. Lembro também que começamos mal o torneio, e a imprensa começou a pegar em nosso pé. Muitas críticas, zero elogio e muito pessimismo. Isso fortaleceu o nosso grupo para o torneio. Na volta, vivemos um sonho com o nosso povo ao aterrissar na Itália - contou o jogador.
Bruno Conti ao lado de Franceco Totti, outro ídolo da torcida do Roma (Foto: AFP)
História no Roma e a convivência com Falcão e Renato Gaúcho
Bruno Conti atualmente cuida das categorias de
base do Roma (Foto: Getty Images)
Além de ser ídolo da seleção italiana, Conti também é um dos ícones do Roma. Atuou na equipe de 1973 a 1990. Saiu por poucas temporadas, quando atuou no Genoa. Mas foi no clube da capital que fincou raízes. Retornou em 1992 para trabalhar com a garotada. Foi convidado para assumir as divisões de base e coordenar um projeto ambicioso: pinçar talentos em várias partes do mundo. E o Brasil se tornou um rico local de garimpo.
De 15 a 20 de dezembro, em Nogueira, em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, por conta do projeto coordenado por Conti, o Roma fará um campus para crianças de 8 a 14 anos. Realizado desde 2008, o trabalho já descobriu em solo brasileiro o garoto Caio, de 14 anos, que está na Itália há quatro anos.
- É o que sei fazer de melhor. Trabalho com a garotada há mais de 20 anos. Todo mundo pode ver se um garoto é bom de bola ou não. O segredo é perceber se aquele garoto será bom daqui a dois ou três anos. Entender se ele poderá se firmar. É preciso ter uma visão global de como uma base pode crescer – disse Conti, lembrando que
De Rossi, Aquilani, Bovo e Pepe saíram do projeto para a equipe principal do Roma.
O Falcão era um grande jogador e uma grande pessoa. Era absurdamente inteligente dentro do campo"
Bruno Conti
Conti falou ainda de sua paixão pelo Brasil e pelo futebol canarinho. O ex-jogador fez revelação curiosa sobre algumas passagens pelo país.
- Eu sou apaixonado, sempre tirei férias no Brasil com o Pedrinho (Vicençote, ex-jogador e atual empresário) e o Graziani. E sempre jogamos futevôlei na praia.
O ex-jogador também foi cercado de brasileiros no clube da capital italiana. Jogou ao lado do apoiador Falcão, conhecido como Rei de Roma por sua passagem de sucesso, e do atacante Renato Gaúcho. Enquanto classificou o primeiro como "profissional exemplar", lembrou que o ídolo do Grêmio, Flamengo e Fluminense tinha uma característica mais "egoísta" no momento de decidir por um passe ou finalização. Mas também elogiou o ex-companheiro de time.
- Lembro bem do Renato. Grande força física, grande técnica, um pouco egoísta. Mas com a bola nos pés sempre fazia algo imprevisível. Foi uma pena que não se adaptou bem ao Roma. Mas tínhamos um ótimo relacionamento. O Falcão era um grande jogador e uma grande pessoa. Era absurdamente inteligente dentro do campo, deu para o time a sua capacidade tática e a vontade de ganhar. Um profissional exemplar, que fez o Roma crescer até a conquista do titulo italiano (1982-1983) e da final da Liga dos Campeões (1983-1984).
Bruno Conti e Aldair em evento realizado pelo Roma na semana passada (Foto: Getty Images)
No fim, o ex-jogador aproveitou para explicar a ligação tão forte que ainda une alguns atletas e o Roma. Além dele, jogadores como
Totti e De Rossi recusaram propostas de clubes mais fortes da Europa para seguir na capital italiana.
- Roma é uma realidade única. Apenas quem jogou com essa camisa histórica pode entender isso. Quando você veste a camisa, vira um torcedor do Roma. Quem nasce em Roma sente ainda mais essa ligação. Mas isso acontece também com os estrangeiros. Aldair, por exemplo, virou um cidadão romano, jogando 13 anos pelo clube. Defender as cores desse time é algo que entra no coração e não sai mais. Por isso Totti e De Rossi ligaram suas vidas à do Roma.
Por Márcio Iannacca
Rio de Janeiro - 13/10/2012 08h05
Atualizado em 13/10/2012 10h08