RECORDAR É VIVER

domingo, 23 de maio de 2010

"O FURACÃO" DA COPA

ENTREVISTA: JAIRZINHO Ex-jogador de futebol
"Torço para que haja mais de um FURACÃO nessa Copa"


- Foto: JAIR VENTURA FILHO, JAIRZINHO - O FURACÃO DA COPA

Na Copa de 1970, no México, sob o sol escaldante das tardes amiúde dedicadas às touradas e naquele mês de junho, em caráter excepcional, reservadas ao futebol, surgiu para o mundo o fenômeno chamado JAIRZINHO.

Hoje treinador de futebol, o ex-ponta direita concedeu uma entrevista na qual opina sobre os favoritos à próxima Copa do Mundo, defende o técnico da Seleção, Dunga, e alfineta a Laranja Mecânica de 1974

Você vê algum candidato a "Furacão" para essa Copa?
- Todo jogador se prepara para ser mais que um Furacão, porque o objetivo de todos é ser campeão do mundo e para isso tem de ter uma grande performance na competição. Até torço para que tenha mais do que um Furacão, porque vai embelezar mais ainda a Copa.

Quais seriam então esses candidatos, na sua opinião?
- Não sei. Até porque eu mesmo fui uma surpresa (risos). Antes da Copa, eu não era Furacão. Aconteceu dentro da própria competição porque me preparei para chegar ao máximo depois da decepção de 1966. Aquilo serviu de aprendizado para mim, para que eu melhorasse em todos os segmentos, nos fundamentos, no conhecimento do que é jogar uma Copa do Mundo.

Você concorda com essa proposta do Dunga, de fechar com seu grupo de jogadores em detrimento de craques como Ronaldinho, Neymar e Ganso?
- Isso é critério de treinador e eu respeito muito. Todos têm sua filosofia e quando os jogadores se enquadram a ela e respondem como ele deseja, acho que está bem. Quando se comete um erro, não se comete propositadamente, tenho certeza absoluta. Ele está tranquilo, isso é muito bom para um treinador. E ele tem total confiança em seu grupo de trabalho. Agora, espero que os jogadores reconheçam isso e correspondam a essa confiança que o técnico tem depositado neles.

Você acredita que uma seleção pode ser campeã mundial sem a presença de craques no time?
- Pode, sim. No campeonato passado, a própria Itália, pela primeira vez, foi campeã do mundo sem nenhum craque. Tanto que a maior estrela do time foi o beque central (o capitão do time, Fabio Canavarro). Isso demonstra o enfraquecimento técnico da competição.

Como testemunha do futebol de Pelé, você acha que o Neymar de hoje guarda alguma semelhança com o Rei na Copa de 58, como alguns apregoam?
- Me perdoe, mas não sou do tipo que faz comparações. Acho que cada um tem o seu momento. Acho que ele (Neymar) está caminhando bem, mas ele deve se preparar fundamentalmente para a Copa que vai ser jogada dentro do Brasil, que é a de 2014. Se você olhar para o ano passado, verá que ele não estava nem perto do que está hoje. Ele era uma incógnita, até algumas pessoas achavam que ele estava sendo lançado precipitadamente. Hoje, sim, ele é uma realidade, e está se solidificando, se preparando, como eu disse, para a Copa que será jogada dentro do país dele.

- JAIRZINHO (Foto) no Castelão em Fortaleza, na Decisão do Campeonato Cearense de 2010.

Foi criada recentemente uma associação para dar apoio aos campeões do mundo pela Seleção Brasileira até 1970. Por que você acha que uma iniciativa tão simples demorou tanto para ser concretizada?
- Aparentemente é simples, mas não é. Mesmo tendo diversas associações, sindicatos, uma série de representações voltadas para a defesa da classe (jogador de futebol), nenhuma delas até hoje deu estabilidade à própria classe. E essa associação está vindo com força total e tem ganhado representatividade. Mas não sei por que até algumas pessoas conseguem votar contra uma iniciativa dessas. Nós sustentamos uma série de irregularidades, conhecemos o que ocorre dentro do Brasil, dinheiro sendo desviado, e não queremos reconhecer aqueles que fizeram a história do nosso país com uma simples aposentadoria. Gente que perdeu sua juventude, sua saúde, sua liberdade, e chega agora no final da vida e ainda encontra pessoas que votam contra essa causa.

Você avalia que o jogador de futebol, hoje, é mais imaturo do que era na sua época? Por que sempre que o time vai mal, quem acaba respondendo é o treinador?
- Vejo que isso faz parte da nossa cultura. Sou uma das pessoas que discordam desse tipo de comportamento, até porque sou treinador e nossa profissão é das mais sacrificadas. Você não tem espaço para descansar, para conviver mais com a família, passa 24 horas por dia pensando em identificar a qualidade dos jogadores, como fazê-los acreditar na sua filosofia, escolher aqueles onze que vão entrar e ainda não desagradar aqueles que não começam jogando. E se ele (treinador) não fizer a diferença nos jogos, o que acontece? Ele é o culpado. Não pode ser o culpado, ele tenta botar o melhor em campo. Temos, nós treinadores, que inverter esse quadro.

Você também esteve na Copa da Alemanha, em 1974. Falando francamente, quantas partidas seriam necessárias para a Seleção bater a Holanda naquela semifinal de Dortmund?
- Para vencer aquela seleção, nós teríamos que ter tido uma melhor condição de preparação. E nós não tivemos. Nós fomos para uma cidade lá na Alemanha (Feldberg foi a cidade escolhida para ser a base da Seleção naquela Copa) e sofremos um frio de seis graus abaixo de zero. Isso prejudicou o estado atlético de todo o grupo. Em condições normais, se nós jogássemos dez vezes, perderíamos só aquela. Não perderíamos mais nenhuma para eles. Até porque eles só tiveram aqueles lampejos até chegar contra nós. Diante de uma simples seleção, como era a da Alemanha, eles ficaram no meio do caminho.

Você se considera um saudosista no futebol?
- Não. Sou um realista do futebol. Nunca gostei desse tipo de comportamento.

Você acha que o torcedor brasileiro está perdendo o encanto pela Seleção?
- Não. O brasileiro vai sempre torcer. Neste momento, todos nós estamos vivendo a Copa do Mundo. Não fala isso, que isso não existe. Pelo menos aonde eu vou, todo mundo só pergunta; "e aí, o Brasil vai ser campeão do mundo?" Se você fizer uma enquete aqui dentro de Fortaleza, todo mundo vai dizer que está pronto para acompanhar a campanha do Brasil na Copa. Disso tenho certeza absoluta.

Mas é fato que a Seleção, para muitos torcedores, tornou-se apenas o time da CBF, não?
- Bom, isso sempre vai existir. Se o brasileiro não criticar, não é brasileiro.

E quanto ao Mundial de 2014, você acredita na organização de uma Copa perfeita?
- Isso só poderia responder se tivesse participado da organização. Agora, espero que tenha sucesso. Mas igual a como foi na Alemanha é muito difícil. De todas as Copas que participei essa foi uma das melhores. A Alemanha deu um show de como se deve administrar e preparar uma Copa.

Além do Brasil, em quais seleções você aposta para esse Mundial?
- Acho que todas as grandes seleções, como a Itália, a Alemanha e Inglaterra. Tem também hoje a Espanha, que fez uma grande temporada ano passado, foi campeã da Europa em 2008, e está buscando um título mundial pela primeira vez. Tem toda a condição para isso. Sem falar da França, que já é uma seleção de nível A. Na América do Sul, como sempre, ficam Brasil e Argentina.

FIQUE POR DENTRO - NASCE UM FURACÃO

- JAIR VENTURA FILHO, O JAIRZINHO, veio ao mundo no Natal (25 de dezembro) de 1944, na cidade do Rio de Janeiro.

Aos 14 anos, a família do futuro ponta-direita da Seleção, que morava no município de Duque de Caxias (RJ), se mudou para uma rua em General Severiano, em frente à sede do Botafogo, o que facilitou o ingresso do menino Jair no clube da Estrela Solitária.

Logo viriam os títulos pelas categorias de base do alvinegro carioca e as primeiras passagens pelas seleções de base. Usando a camisa 7 - herdada do mito Garrincha - Jairzinho não sentiu a responsabilidade, e logo em seu segundo ano como profissional, foi convocado pelo técnico Vicente Feola para disputar a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, onde sucumbiu junto com um time pra lá de envelhecido.

Foto: SELEÇÃO TRI CAMPEÃ MUNDIAL EM 1970 NO MÉXICO - Jairzinho é 2º agachado.

Na Copa do México, em 1970, o até então jogador desconhecido da mídia internacional passou a roubar a cena logo na partida de estreia, contra a Tchecoslováquia. Na goleada de 4 a 1, de virada, o ponta foi às redes em duas oportunidades, e com dois golaços. No primeiro, após receber um longo lançamento do "Canhota" Gérson, na corrida, matou no peito e deu um chapéu no goleiro tcheco Viktor, empurrando para o gol vazio em seguida. No segundo - o que fechou a goleada -, outra pintura: Jair pegou a bola na intermediária, passou por dois zagueiros e chutou rasteiro no canto direito. Naquele dia, o tcheco Petrás, ao fazer o gol inaugural do jogo, se ajoelhou à beira do gramado e fez um sinal da cruz, como gesto de agradecimento. Em seu primeiro gol, Jairzinho também se persignou, como fizera o adversário, e assim continuou a fazê-lo até o final da Copa. E foram mais cinco vezes: uma em cada um dos jogos restantes. Destaques para o tento inesquecível no difícil duelo contra os ingleses, pela segunda rodada. Aos 14 do segundo tempo, o time de Zagallo já havia tentado de tudo para subjugar a forte defesa dos então campeões mundiais - comandada pelo lendário goleiro Gordon Banks. Até o momento em que Tostão, em sua última participação em campo (seria substituído em seguida), dominou a bola pela esquerda, deu três dribles curtos e cruzou. Pelé, na marca do pênalti, matou a bola no peito e, num movimento rápido, tocou para Jairzinho, que veio de trás, como um raio, batendo de primeira para o ângulo de Banks.

Ali, nascia para a eternidade o FURACÃO de uma COPA DO MUNDO inesquecível

PERY NEGREIROS
REPÓRTER